Instrução – As tristezas e alegrias de Maria

Maria Santíssima havia bebido, até ao fundo, o cálice da amargura, sofrendo tudo o que uma criatura humana é capaz de sofrer. Este sofrimento, entretanto, tinha a sua consolação: a certeza da ressurreição, a certeza que a primeira visita de Jesus glorioso seria a sua Mãe. É certo, a aparição de Jesus a Maria Santíssima não está mencionada no Evangelho, mas pouco importa. Sabemos que os Evangelhos não relataram todas as ações do Salvador, e sabemos, também, que eles não contêm nada de inútil. Para que assinalar um fato evidente, de que não se pode duvidar?

Além disso, a humildade da Virgem Santa não permitiu aos Evangelistas que relatassem o que era unicamente para a sua exaltação, sem ser uma base para qualquer verdade dogmática. Meditemos, um instante, para terminar na alegria, a Semana dolorosa que acabamos de percorrer, vendo:
I – O fundamento desta verdade.
II – A aparição de Jesus ressuscitado.

I – O FUNDAMENTO DESTA VERDADE

As razões mais imperiosas indicam que era, para Jesus Cristo, um dever mostrar-se, primeiramente, à sua querida Mãe:

Dever de justiça; Dever de piedade filial; Dever de amor recíproco.

Era um dever de justiça. De fato, Maria havia sofrido tanto para a nossa salvação, durante a Semana dolorosa. Era indispensável que recebesse a única recompensa proporcionada a tal sofrimento incomensurável: a vista de seu querido Filho saído deste túmulo, onde ela mesma o havia depositado.

A piedade filial. Como Jesus teria podido faltar a um dever, que Ele havia exaltado tanto e tão bem cumprido durante a sua vida mortal? Após o Pai Eterno, não cabia o seu primeiro pensamento a sua Mãe na terra, logo em seguida a sua ressurreição?

Amor recíproco. A Igreja afirma que Maria Madalena mereceu tomar parte nas alegrias da ressurreição, sendo nomeada a primeira nos Evangelhos, porque amava o divino Mestre com um amor mais ardente que os outros. – Prima meretur gaudia quia plus ardebat caeteris.

Ora, é certo que Maria Santíssima amava a Jesus mais do que todos os santos juntos, sendo ela a Rainha do amor. Por outro lado Jesus Cristo, como consequência de seu amor incomparável a sua Santa Mãe, lhe devia esta prova de amor. Ele lhe era unido pelos laços mais íntimos e sagrados, que podem existir.

Voltando das entranhas da terra, Jesus devia, necessariamente, aspirar a rever, quanto antes, aquela de cujos braços a morte o havia arrebatado. É, pois, certo que Jesus reservou a sua primeira visita para a sua Mãe querida. Aliás tal é o sentimento comum dos santos Doutores. Citemos, em particular, Santo Ambrósio, Santo Anselmo, São Gregório de Nicomédia, São Bernardino de Sena, Santo Inácio de Loiola, que diz em seu livro dos Exercícios Espirituais que aquele que duvidasse deste fato mereceria a repreensão, que o Salvador dirigiu um dia a seus Apóstolos “de faltar de inteligência” – Adhuc et vos sine intelectu estis? (Mattheus XV, 16). Tal é também o sentimento da Igreja; que no ofício da Ressurreição, cantando o triunfo de seu Chefe, convida a Rainha do céu a alegrar-se. Ora, a alegria de Maria não teria sido diminuída, se houvesse sido privada cia presença de seu querido Filho? Regina Coeli, laetare! Esta verdade popular é admiravelmente lembrada em certos países no dia da Páscoa. Na Espanha, por exemplo, existe uma cerimônia importante. Na primeira aurora da Páscoa; sai da igreja uma procissão magnífica, na qual o sacerdote, cercado de numerosos meninos de coro, vestidos de branco, leva o Santíssimo Sacramento, em meio de cânticos festivos. Chegando diante da igreja, que havia servido de sepulcro na Semana Santa, a porta abre-se, e a imagem de Maria Santíssima aparece, trajando ainda vestidos de luto.

De repente, duas crianças, vestidas de anjos, conduzem o sacerdote com o Santíssimo Sacramento, em frente da estátua. A imagem inclina-se três vezes, como se, neste encontro, a Virgem Santa reconhecesse o seu Filho, enquanto mil vozes entoam: Regina Caeli, laetare! Alegrai-vos, ó Rainha do céu!

II – A APARIÇÃO DE JESUS RESSUSCITADO

A noite do Sábado Santo, a Virgem Santíssima ficou na casa do jardineiro dr José de Arimateia, absorta em sua dor, mas repleta de esperança, relembrando a palavra de Isaías: – Não permitireis, ó Deus, que o vosso Santo conheça a corrupção, assim como as palavras de Jesus, dizendo que sairia vivo do sepulcro no 3º dia. A aurora começava a doirar o horizonte e o Calvário. A alma santa do Redentor, saindo da prisão do Limbo, depois de ter recolhido no Gólgota, na via dolorosa e no pretório, o sangue da flagelação e da crucificação, penetrou no sepulcro e animou de novo este corpo, que havia deixado três dias antes em meio das angústias da agonia. O corpo sagrado reanima-se, levanta-se, desvendando-se das tiras, mortalhas e aromas que o cercavam. As feridas desaparecem, o sangue começa a circular, e destes membros dilacerados pelos açoutes, desta cabeça rasgada pelos espinhos, destas mãos, destes pés trespassados pelos cravos, irradia-se uma luz resplandescente, que enche a gruta sepulcral.

O corpo vai deixar, como soberano, o reino da morte! Tal nos aparece o sepulcro do Gólgota.

Os querubins e serafins do exército celeste, haviam descido desde a Sexta-feira, arregimentados numa ordem invisível, em redor do sublime leito, onde jazia o Criador do mundo. Os anjos lhe haviam feito guarda de honra. E eles que haviam um dia adorado, comovidos, o Menino Jesus, em seu Presépio, adoram agora, com temor, o vencedor da morte. O mors, ubi victoria tua?

Jesus levanta-se, como se levanta o sol nascente; deixa os anjos dobrarem, com veneração, a mortalha e as longas faixas que o envolviam, e depositá-las no fundo do sepulcro. Sai do túmulo, atravessando, sem removê-la, a pedra que lhe vedava a entrada. Mais penetrável que o cristal pelos raios do sol, a pedra deixa passar o corpo glorioso, sutil, impassível e ágil de Jesus Cristo. Para onde vai o Salvador glorioso? Jesus ressuscitado, que criatura nenhuma havia contemplado, eleva-se e como um relâmpago atravessa o espaço, penetra numa humilde casinha de Jerusalém, onde está em profunda contemplação a sua querida Mãe! Ó celeste visão para Maria! Os seus olhos, exaustos de lágrimas e de insônias abrem-se de repente à mais viva e suave luz, que lhe anuncia a proximidade de seu Jesus.

Segundo uma revelação feita a S. Gregório, o arcanjo Gabriel, que lhe havia anunciado a Encarnação, foi anunciar-lhe também a ressurreição, dizendo-lhe: Rainha do céu, alegrai-vos, porque ressuscitou Aquele que merecestes trazer em vosso seio! E eis que a voz suave de Jesus ressoa em seus ouvidos, não mais com este acento doloroso, que lhe transpassava o coração ao pé da Cruz, mas alegre e terna como convinha a um filho que vem contar o seu triunfo à Mãe querida.

– Oh ! minha Mãe!
– Oh ! meu querido filho !

Estas palavras dizem tudo, e foram pronunciadas ao mesmo tempo. Eis Maria aos pés de Jesus, para adorá-Lo. Jesus levanta-a, carinhoso. Quem dirá a alegria, a paz, a consolação, a suavidade, os abraços celestes, as efusões de coração a coração, deste momento ‘Único no mundo e no céu’?

Foi um como fluxo e refluxo voluntário e vivo, das coisas mais inefáveis, que irradiavam de Jesus em Maria, de Maria em Jesus. O próprio Jesus Cristo se dignou descrever esta cena inefável numa revelação, que fez à seráfica Santa Teresa. Confiou à Santa, que o abatimento da sua Santa Mãe era tão grande que ela teria sucumbido a seu martírio, e que antes de mostrar-se a ela, no momento que saiu do túmulo, ela precisava de uns momentos para voltar a si antes de ser capaz de suportar tamanha alegria. (Vida. S. Teresa, add. )

III – CONCLUSÃO

Doces alegrias da ressurreição, possamos todos nós experimentá-las!

A Páscoa não é, simplesmente, uma festa comemorativa, como muitas outras, deve ser uma realidade, uma renovação para cada um de nós. O Apóstolo disse: Et resurrexit propter justificationen nostram. (Rom. IV, 25). Ele ressuscitou para operar a nossa justificação.

Esta justificação consiste em primeiro lugar no perdão dos nossos pecados e depois na Comunhão Pascal, prescrita por Deus e pela Igreja.

Durante os dias da Semana Santa, temos seguido, passo por passo, as dores da nossa querida Mãe, a Virgem dolorosa, e agora acabamos de partilhar as suas alegrias, perante o Salvador ressuscitado.

Tal alegria de Maria Santíssima seria incompleta, se não houvesse da nossa parte um generoso cumprimento do nosso dever da Páscoa.

Por isso, mais uma vez, em nome e por amor da Virgem dolorosa, e agora da Virgem consolada, peço, encarecidamente, que nenhum católico deixe passar estes dias sem aproximar-se da Mesa Eucarística.  


Fonte: O Evangelho das Festas Litúrgicas e dos Santos mais populares. 2ª Edição: Manhumirim: O Lutador, 1952. pp. 191-195. (saiba mais sobre a obra e as postagens)

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