Jesus Cristo compara a santidade ao sal, que preserva da corrupção e à luz, que dissipa as trevas.
São Francisco de Salles foi sal, pela sua vida apostólica, que preservou tantas almas da corrupção do erro e do vício. Foi um luzeiro resplandescente pela sua mansidão e bondade atraente. Nos últimos anos de sua vida, foi introduzida a causa de Beatificação de S. Francisco Xavier. Falando deste acontecimento, um sacerdote observou: Já temos São Francisco de Assis, São Francisco de Bórgia, São Francisco de Paula e São Francisco Xavier; falta apenas São Francisco de Salles.
O Prelado sorriu e respondeu com íntima convicção: “Custe o que custar, quero ser santo também; teremos um São Francisco de Salles”. A profecia realizou-se e 45 anos mais tarde Francisco de Salles recebia as honras dos altares. Percorramos hoje esta vida admirável, vendo:
I – Como o Santo adquiriu a mansidão
II – Como nós podemos adquiri-la
I – COMO ADQUIRIU A MANSIDÃO
Nasceu o Santo, no castelo de Salles, em França, aos 21 de agosto de 1567.
Recebeu, com o leite materno, os exemplos e o ensino de uma vida santa, de que se aproveitou admiravelmente, distinguindo-se por sua piedade e seus talentos extraordinários.
Ainda criança, consagrou-se a Maria Santíssima e fez voto de castidade.
O inferno furioso assaltou o piedoso jovem com pensamentos horrendos de desespero, mostrando-lhe o lugar, que ocuparia no inferno, à ponto de provocar-lhe grave enfermidade.
Após urna visita a Roma, e a Loreto, tendo readquirido a paz da alma, resolveu executar o ideal de abraçar o sacerdócio. Sabemos por ele mesmo que era naturalmente ardente e arrastado à cólera. Desde criança, fazia esforços inauditos para reprimir os ímpetos de sua natureza, e, à fôrça de contemplar os exemplos do Deus humilde e manso, chegou a construir sobre as ruínas de seu defeito dominante, o reino de uma virtude, que constitui o seu característico: a mansidão.
A mansidão extraordinária de Francisco fazia dizer a S. Vicente de Paulo: “Como Deus deve ser bom, se Francisco, seu ministro, é já tão bom!”
* * *
O velho Bispo de Genebra, que muito o estimava, encarregou-o da conversão dos protestantes de Chablais, onde estes hereges haviam queimado as igrejas, destruído as cruzes, demolido os conventos e proscrito o culto católico. Foi uma luta heroica, da qual Francisco saiu vencedor.
Os hereges ameaçaram de matá-lo, mas o zeloso missionário não desanimou.
Um milagre espantoso abriu os corações. Uma mulher protestante levava ao cemitério um filho que perdera. No caminho encontra Francisco:
– Pai, exclama ela, restituí-me o meu filho, pelo menos para batizá-lo.
Francisco prostra-se de joelhos. Ele reza, e o morto abre os olhos.
Está vivo. Foi batizado e viveu ainda dois dias, para que todos pudessem averiguar o milagre.
Essa mulher, sua família e muitas outras famílias de protestantes converteram-se.
No fim de três anos de pregação e de sacrifícios, mais de 72000 calvinistas haviam abraçado a fé católica.
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O Bispo de Genebra quis ter Francisco por coadjutor no Bispado. O santo resistiu, mas devia submeter-se à voz do Papa que lhe ordenava aceitar o Episcopado.
Tomou por modelo S. Carlos Borromeu, a quem imitou perfeitamente, trabalhando dia e noite, pelos exemplos, pelos escritos e pela pregação, a· ganhar almas para Jesus Cristo.
A sua palavra suave, convincente tocava e convertia os corações mais empedernidos.
Durante 20 anos, governou sua Diocese. Junto com Santa Joana de Chantal. fundou a ordem da Visitação, que tantas almas santas tem dado à Igreja, entre as quais se destaca Santa Margarida Maria.
Negócios urgentes obrigaram-no a viajar para Lyon, onde adoeceu durante o Natal, e onde faleceu quase repentinamente, de congestão, no dia dos Santos inocentes, 28 de dezembro de 1622, na idade de 56 anos. Uma das suas últimas palavras foi o resumo da sua vida: “Deus é o Senhor, que ele faça de mim o que bem lhe parecer. Nunca tive vontade diferente da sua.
II – LIÇÕES PRÁTICAS
O mundo inteiro admira a bondade, a mansidão de São Francisco de Salles; mas poucos se lembram das lutas que o Santo sustentava para dominar as inclinações de ira e de violência; que era o fundo de seu temperamento sanguíneo-nervoso.
Ninguém nasce santo, pois todos somos filhos de uma raça decaída. Francisco nasceu com um temperamento irascível, colérico; porém, descobrindo esta inclinação, que constituía o seu defeito dominante, não poupou esforços, nem mediu sacrifícios para reagir contra esta inclinação; e o fez tão bem que se tornou o homem mais brando e mais bondoso, que a história registra.
A sua aplicação em não deixar escapar nenhuma rudeza, nenhuma palavra desatenciosa, nenhum gesto de impaciência, foi contínua. Os atos sucederam aos atos, os sacrifícios aos sacrifícios, até gerarem nele o hábito, que se tornou uma segunda natureza, pronta a suportar a todos, a fazer o bem a todos, a tudo acolher sem precipitação, como sendo obra de Deus.
A nervosidade é uma moléstia de nossa época, não mais a ira ou cólera dos antigos, mas um estado de sensibilidade, de irritação, que abala os nervos, e conserva muitas pessoas em perpétua nervosidade. A educação de hoje, as dificuldades da vida, a pressa que há em tudo, provocam e desenvolvem este estado, a ponto que certas pessoas vivem, continuamente, irritadas no interior, esperando apenas a ocasião de um desabafo, em palavras ásperas, em gestos imperativos. e até em blasfêmias.
Em vez de combaterem o seu defeito, como São Francisco, contentam-se com as desculpas:
– Este é o meu gênio! – Não está em mim conter-me ! – Sou nervoso! etc.
São desculpas de egoísmo, da preguiça, do comodismo.
A santidade é flor desta terra, mas precisa ser semeada pela graça, cultivada pelo esfôrço, defendida pela luta, para ser um dia colhida por Deus.
III – CONCLUSÃO
Recolhamos esta lição dos exemplos do grande Santo: a prática da bondade.
É uma virtude tão bela, tão suave. tão agradável a Deus e aos homens, que Nosso Senhor a indica como característico de seu próprio coração: Aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração (Mateus XI. 29 ).
A mansidão não nasce da natureza. mas do combate aos defeitos da natureza. O homem é essencialmente egoísta, e por isso é áspero para quem resiste às suas idéias e aspirações. Se sentirmos em nós as agitações da irascibilidade, os impulsos do nervosismo, tomemos resoluções enérgicas de fazer atos positivos de oposição.
Não basta convencer-se da beleza, que há na virtude da mansidão, é mister que haja atos positivos, tendo por fim deter a irascibilidade interior, regular os gestos exteriores e opôr-lhe o contrapeso dos atos contrários, até não deixar mais nada escapar espontaneamente, submetendo a ira e a nervosidade ao império da vontade.
Fonte: O Evangelho das Festas Litúrgicas e dos Santos mais populares. 2ª Edição: Manhumirim: O Lutador, 1952. pp. 91-95. (saiba mais sobre a obra e as postagens)
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