Por Bruno Vieira
Recentemente, o site Vatican News publicou texto em que defende a nova alteração do Catecismo da Igreja Católica quanto à pena de morte, expondo argumentos equivocados e movidos por um certo modernismo. Apresento, então, resposta àquelas ideias, para fins de esclarecimento.
Quanto à pena de morte
A Igreja nunca defendeu que seus filhos, ou mesmo aqueles que fora dela estão, fossem mortos ao bel prazer da autoridade civil, ou mesmo de seus servos. Entretanto, viu sempre como alternativa sua aplicação, pela autoridade competente e, em caso específico, para salvaguardar a sociedade de um perigo de larga escala. E essa competência não pertence a qualquer pessoa, ou a grupos, mas à autoridade pública, o Estado, instituição, inicialmente, criada por Deus, sem o qual não teria qualquer poder (João 19,11). É como ensina o (à época) Pe. Álvaro Negromonte (1954, p.172):
É dever da autoridade defender a ordem social e garantir a segurança dos súditos; ora, a experiência atesta que a pena capital [pena de morte] é o único meio de afastar de crimes atrozes a certos homens. [grifos do autor].
Ora, não nos cabe aqui falar se os Estados constituídos atualmente são dignos de fazê-lo, mas apenas da competência que receberam, a qual o Brasil, a título de exemplo, reserva aos casos de guerra declarada (art.5º, XLVII, a, da Constituição Federal).
Portanto, a exigência da pena de morte é resguardar a sociedade do mal que alguém isoladamente pode fazer, privilegiando o povo de Deus em geral ao afastar seu cruel ofensor.
Dos castigos na época de Moisés
À luz da teologia, dividem-se as leis antigas em morais (as leis eternas, que não mudam, e transmitem a essência de Deus), cerimoniais (leis ritualísticas, de organização do culto, inclusive da celebração dos casamentos, dentre outros pontos) e civis/judiciais.
As leis civis, são aquelas dadas por Deus para regular, de forma pormenorizada, específica, as relações da vida dos israelitas pós-Egito. Era uma forma de organização a sociedade da época para lhe afastar dos pecados antigos. E nesse ponto é que se inserem as penas dadas por Deus. Ora, essas leis são temporárias, e traduzem a necessidade de colocar regras e afastar, de um povo já tão frio, os males da idolatria, do incesto, da pedofilia, etc., com a severidade necessária à emenda dos corações, mais pela rigidez que a própria vontade de ver um pecador morto, visto que estaria em contradição com o que disse posteriormente por Ezequiel (Ezequiel 18, 23).
Entretanto, tendo vindo a nós o Verbo Divino, aperfeiçoa o seguimento da lei, que vinha sendo mero formalismo farisaico, mostrando que era hora de se preocupar com a salvação, a ser obtida no madeiro da cruz, em que carregou nossos pecados (I Pedro 2,24) mostrando que, pior que a morte física é a espiritual, que, como ensinará São Paulo, posteriormente, é a “paga do pecado” (Romanos 6,23).
Assim, as penas dadas no Antigo Testamento serviram para afastar o pecador do erro por temor, embora todo o conjunto mostrasse o amor zeloso de Deus (Naum 1,2), ofuscado gradualmente pelo temor formalista dos judeus.
“Extra ecclesiam nulla salus” (Fora da Igreja não há salvação).
Nem todos os ensinamentos da Igreja são dogmas, como, por exemplo, uma encíclica papal comum ou uma carta apostólica. Entretanto, alguns pontos da Fé, experimentados durante tempos pela Igreja, recebem o decreto, a declaração, a determinação, de que são verdades de Fé, e devem ser seguidas, obrigatoriamente, pelos católicos. Um exemplo é a própria Assunção de Nossa Senhora, dogma mais recente da Igreja, declarado por Pio XII em 1950. Destaque-se o termo “declarado”, pois que um dogma não é criado, mas apenas exposto como tal, após diversos e longos estudos e orações.
Ora, a expressão em latim acima mencionada é doutrina firme da Igreja, verdadeiro dogma, externado, dentre outros, pelo Papa Bonifácio VIII:
“Por apego da fé, estamos obrigados a crer e manter que há uma só e Santa Igreja Católica e a mesma apostólica e nós firmemente cremos e simplesmente a confessamos e fora dela não há salvação nem perdão dos pecados (…) Romano Pontífice, o declaramos, o decidimos, definimos e pronunciamos como de toda necessidade de salvação para toda criatura humana.
Além dele, também declaram têm o mesmo teor as declarações do IV Concílio de Latrão (1215) e do Concílio de Trento (1545-1563), ambos infalíveis:
Canon I: “…Há apenas uma Igreja universal dos fiéis, fora da qual absolutamente ninguém é salvo…”. Canon III: “Nós excomungamos e anatematizamos toda heresia erguida contra a santa, ortodoxa e Católica fé sobre a qual nós, acima, explanamos…”. (IV Concílio de Latrão)
Por fim, a lista de papas que reafirmar essa doutrina é larga, passando por Pio IX (Syllabus) e São Pio X (Catecismo Maior), este que, com maestria e didática ensina:
168) Pode alguém salvar-se fora da Igreja Católica, Apostólica, Romana?
Não. Fora da Igreja Católica, Apostólica, Romana, ninguém pode salvar-se, como ninguém pôde salvar-se do dilúvio fora da arca de Noé, que era figura desta Igreja.
Entretanto, usam da Declaração Dominus Iesus, como forma de afirmar a salvação fora da Igreja. Ora, nem mesmo a declaração, em especial no item citado (n.21) vai contra o que sempre se ensinou: a salvação se dá pela Igreja, ainda que por caminhos só por Deus conhecidos, e alcança aqueles que, sem culpa, não aderindo diretamente à hierarquia instituída por Cristo, implicitamente se encontram em seu seio. É como bem explica o Papa citado, em seu Catecismo Maior:
170) Mas quem se encontrasse, sem culpa sua, fora da Igreja, poderia salvar-se?
Quem, encontrando-se sem culpa sua – quer dizer, em boa fé – fora da Igreja, tivesse recebido o batismo, ou tivesse desejo, ao menos implícito, de o receber e além disso procurasse sinceramente a verdade, e cumprisse a vontade de Deus o melhor que pudesse, ainda que separado do corpo da Igreja, estaria unido à alma dEla, e, portanto, no caminho da salvação.
Da Inquisição e suas práticas
Neste ponto, como se trata de tema complexo e que demanda um texto mais detalhado, restringir-me-ei a indicar a leitura da sucinta mas informativa publicação: A Inquisição: História de uma instituição controvertida, do padre José Bernard, S.J., (disponível aqui). Indico ainda a aula da Prof. Dra. Laura Palma, constante neste vídeo, bem como o vídeo breve, mas bastante esclarecedor do Prof. André Melo, disponível aqui (neste caso, respondendo sobre a tortura).
A caridade e a doutrina
A caridade é uma virtude teologal, a maior das três (1 Cor 13,13), sem a qual nada seríamos (1 Cor 13, 2). Ela se traduz numa dupla face: o amor a Deus e o amor ao próximo, este dependendo daquele. É dizer que, de tanto amor que recebemos de Deus, não basta amá-Lo, mas é preciso estendê-lo aos outros.
Porém, o que saltou aos olhos na leitura do artigo inicialmente referido, é a citação a seguir:
“Se a Lei é viva, ela não deixa de falar e de dizer coisas novas e, acima de tudo, nos força a mudar. Isto não nos agrada, porque em cada um de nós existe sempre um fariseu que aparece com as suas razões imutáveis e imóveis. A lei do amor, no entanto, nos move, nos impele a um contínuo êxodo do eu para o tu. É um contínuo progredir no conhecimento da verdade absoluta que é Deus e Deus é amor. E o amor nos obriga a mudar para o outro. A beleza é que também Deus – que é o mesmo ontem, hoje e sempre – mudou por amor a nós: e se fez homem.”
Eis que somos todos fariseus e que temos “nossas razões imutáveis”, e que, pela lei do amor, somos compelidos a mudar, pensando sempre no outro. Ora, como se pode chamar de fariseu aquele que tem firme o ideal da Fé, baseado na santidade encarnada de Nosso Senhor e na vida dos santos? Seria equivocado, então, ter firmes resoluções de ser santo? É esse tipo de pensamento de que nada é imutável que leva o mundo ao relativismo moral e à busca da felicidade no prazer. Então quer dizer que, sendo Deus imutável, terá de progredir?
Essas afirmações, ainda que ditas de boa-fé, são demasiado imprecisas e infelizes, traduzindo uma ideia de pseudo-amor/caridade, que não deve prevalecer entre o povo católico.
Nenhum Papa será contra a Igreja?
Seria equivocado e herético dizer que o Papa pode errar em tudo. Por outro lado, dizer que não erra é da mesma forma incorreto. Tal surge, não da ideia de defender o papado, mas de defender o Pontífice que agrada os interesses pessoais de determinada pessoa, especialmente nos tempos atuais, com o pensamento voltado para agradar o mundo.
Nesse sentido, me restrinjo a citar São Francisco de Sales, em sua obra The Catholic Controversy, citado por Robert J. Siscoe, e traduzido por Alexandre Oliveira:
“Nos termos da Lei antiga, o Sumo Sacerdote não usava o Rational, exceto quando estava investido com as vestes pontificais e entrava diante do Senhor. Assim nós não dizemos que o Papa não pode errar em suas opiniões privadas, como fez João XXII; ou não ser totalmente um herege, como, talvez, Honório era.” [grifos meus]
Por fim, destaque-se que aqui não se está a acusar um Papa de heresia, mas de simplesmente rebater a ideia de que um Papa é isento de todo e qualquer erro, o que destoa totalmente da doutrina da Igreja.
Conclusão
Este artigo não trata da completude do problema suscitado pelo artigo do Vatican News, mas traz breves reflexões sobre os tópicos, de forma que este autor conclama os leitores à pesquisa, principalmente sobre a função da pena de morte, à luz da ampla doutrina da Igreja.
Nossa Senhora do Carmo, rogai por nós.
OBS.: As citações tiradas da bibliografia abaixo não necessariamente significam aderência deste autor ou do portal às ideias e posições dos escritores leigos ou dos grupos de que fazem parte.
Referências Bibliográficas:
ARTIGO EM ANÁLISE:
SÉRGIO CENTOFANTI. O escândalo do desenvolvimento da doutrina. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2018-08/doutrina-pena-de-morte-catecismo-papa-francisco.html. Acesso em 07/08/2018.
PADRE ÁLVARO NEGROMONTE. O Caminho da Vida. Moral Cristã. 12ª edição, José Olympio Editora: Rio de Janeiro, 1954. Página 172. Disponível em: http://alexandriacatolica.blogspot.com/2011/12/o-caminho-da-vida-moral-crista-padre.html
SÃO PIO X. Catecismo Maior de São Pio X: Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã. Editora Permanência: Rio de Janeiro, 2009. Página 48.
ROBERT J. SISCOE – THE REMNANT. A Igreja pode depor um Papa? Traduzido do inglês por Alexandre Oliveira. Disponível em: https://fratresinunum.com/2015/10/30/a-igreja-pode-depor-um-papa-herege/. Acesso em 07/08/2018.
MARCELO ANDRADE (MONTFORT, ASSOCIAÇÃO CULTURAL). Fora da Igreja não há salvação. Disponível em: http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/foradaigreja/. Acesso em 07/08/2018.
